Em uma jornada pelas ruas da capital, o JTo explorou a rotina de venda de salgadinhos, ouvindo trabalhadores formais e informais que compartilharam os desafios enfrentados no dia a dia das vendas.

Com suas bancas e carrinhos, eles demonstram a persistência e criatividade necessárias para prosperar nesse mercado competitivo, enquanto oferecem um saboroso alívio aos que passam pelo local.

No Tocantins, 156 mil pessoas trabalham por conta própria segundo dados do 4° trimestre de 2023, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) fornecidos pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas). 

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Para detalhar como é o processo simplificado de formalização como Microempreendedor Individual (MEI), que dá acesso a direitos e benefícios para empreendedores, o Jornal do Tocantins preparou uma entrevista com a analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) Eligeneth Resplande. Confira no fim da matéria.

Embaixo do pé de manga

E foi debaixo de um pé de manga, próximo a um ponto de ônibus de uma das avenidas mais movimentadas da capital, que a maranhense Cleia da Conceição Aroucha Castro, de 50 anos, resolveu arriscar como empreendedora. Obstinada, Cleia conta que veio para a capital há 24 anos para reconstruir sua vida, após se separar do marido.

“Em 26 de outubro de 2000 eu larguei tudo que tinha para trás e vim para Palmas. Deixei meus dois filhos, depois me organizei, e fui buscá-los”.

Ao chegar na capital em busca de novas oportunidades, Cleia  trabalhou em um salão de beleza, mas tinha um sonho de ter seu  próprio negócio. 

“Eu gosto de trabalhar pra mim. Por isso hoje eu sou MEI. Trabalhei sete meses no salão, aí consegui capital. Conheci um rapaz da Imperatriz que vendia aqui na JK e disse: vizinha, você tem coragem de vender salgadinho na JK? Lá só tem homem!  Eu respondi: ‘como que inicia, o que precisa?’”.

Determinada, a autônoma conta com um sorriso no rosto e um brilho nos olhos, que iniciou a venda de lanches em cima de uma bicicleta Monark, com duas caixas de isopor, uma para os salgados e outra para os sucos. 

“Eu arrumava a unha de uma moça, ela trabalhava numa oficina de bicicleta, eu fui lá, conversei com ela, aí ele arrumou a bicicleta para eu pagar depois. Ela adaptou a bike para eu colocar as caixas. Então eu comecei aqui, em 28 de abril de 2003. Em 2010 eu me tornei microempreendedor individual.

Um dos desafios em trabalhar com a venda de salgadinhos, reflexo da cultura Palmense, é prestar um bom atendimento em meio ao clima do cerrado.

Na sombra da mangueira, ela vende entre 40 e 80 salgadinhos por dia, além de sucos naturais produzidos pela própria trabalhadora, que ajudam a amenizar o calor.

Seu carisma com as vendas, lhe renderam boas amizades. Cleia vive rodeada de mulheres que fazem questão de puxar o banquinho diariamente, comprar um pão de queijo, um dos preferidos dos clientes e apreciar o cotidiano palmense. 

A roda de conversa rende até o momento que as amigas de Cleia precisam cumprir com seus compromissos.

“Aqui JK eu tenho muita amizade, hoje a maioria dos meus clientes são meus amigos. Eu sou uma palmense de coração e amo Palmas. Eu escolhi Palmas para viver e criar meus filhos”.

Mesmo com a rotina intensa que inclui os estudos da faculdade de psicologia, ela consegue trabalhar com um sorriso no rosto. 

Para pagar suas contas e a graduação, ela acorda todos os dias às 3 horas da madrugada e prepara os salgados e os sucos, Cleia ainda procura tempo à tarde, para cumprir com os trabalhos que a faculdade exige, graduação da qual ela sente muito orgulho.

“Volto para casa todos os dias ao meio dia. À tarde leio muito, pois o curso exige muita leitura. Eu estudo em torno de duas ou três horas por dia, e às 17h40 eu vou para a faculdade. Aí no fim de semana, eu também preparo os meu sucos.

Com a renda ela consegue pagar as contas e também a faculdade. 

Orgulho da profissão

Quem também veio do estado do Maranhão em busca de uma oportunidade na capital foi Manoel Rodrigues da Silva, de 46 anos.

Manoel mora em Palmas há 19 anos e há sete anos vende lanches na estação Apinajé, na capital.

Com quatro filhos e uma esposa, o autônomo afirma que consegue sustentar a família com a venda de mais de 300 salgadinhos por dia. Entre eles, pão de queijo, roscas, biscoito enroladinho de queijo e também café com leite.

Formalizado há cinco anos como Microempreendedor Individual (MEI), Manoel da Silva conta como é a rotina de vendas. 

“Chego aqui às 6h20 todos os dias, e às 11h volto para casa. No período da tarde eu preparo os salgados. É a tarde que a gente vai correr atrás, fazer compras e preparar os salgados".

Conforme o vendedor, trabalhar com comida é uma das coisas que o deixa feliz. 

“Para mim não tem outro serviço melhor. Eu trabalho nesse serviço porque eu gosto. Eu sei fazer outras coisas também. Mas é porque eu escolhi trabalhar com comida. E se não fosse o lanche, era outro tipo de comida". 

Rotina longa e puxada

Na contramão da formalidade, a equipe do Jornal encontrou uma vendedora de 50 anos que trabalha com a venda de salgados e bolos em frente a uma escola na capital.

A autônoma, também natural do Maranhão e que não quis se identificar, informou que divide o ofício com a filha.

Juntas elas vendem 160 salgados por dia, incluindo entregas e para revenda. 

Ela relata que as encomendas para revenda ocorreram após ela começar a vender no ponto, há pelo dois anos. 

“As pessoas foram gostando muito dos salgados e agora a filha também faz para entrega, então tem tem três clientes que pegam salgado dela para revenda”.

A rotina de mãe e filha também não é fácil. “A gente vem às 8h para cá, mas a gente começa a trabalhar duas horas da manhã. Aí minha filha prepara todas as massas e faz todos os salgados. A gente fica aqui até 11h, depois, voltamos às 15h e ficamos em média até às 18 horas”.

Segundo a vendedora, as contas são pagas com a venda dos lanches.  

“A gente precisa trabalhar né, porque a gente é autônoma, não tem uma renda fixa, dependemos disso para pagar água, luz, internet, gás, comer. É apertado, mas dá. 

População ocupada no Tocantins

Em relação ao número de trabalhadores do setor privado, com carteira assinada, o estado registrou no 4° trimestre 183 mil, o aumento de 11,59% em comparação com o 3° trimestre que contabilizou 164 mil.

Ainda conforme dados da pesquisa, o Tocantins somou no 4° trimestre, 145 mil empregados no setor privado sem carteira de trabalho assinada. Já no 3° trimestre o número foi ainda maior, com registro de 148 mil, a variação foi de 2, 03%.

O estado contabilizou também no 4º trimestre, 40 mil empregadores, 8 mil que trabalham auxiliando a família; 57 mil trabalhadores domésticos e 169 que trabalham no setor público.

Analista do Sebrae explica como é o processo para formalização 

A analista do Sebrae Eligeneth Resplande detalha o processo simplificado de formalização como MEI, que dá acesso a direitos e benefícios para empreendedores.

Segundo a analista, o empreendedor que está no mercado exercendo uma atividade econômica e não se formalizou, pode procurar o Sebrae para ser auxiliado no processo de formalização. 

“Para se tornar um microempreendedor individual, tem que se enquadrar dentro dos requisitos e ele precisa buscar uma das unidades do Sebrae que o processo de formalização é simplificado, onde ele vai precisar levar os documentos pessoais, é importante levar o título de eleitor e o RG e esse processo é totalmente online e simplificado”.

Direitos

A formalização de uma atividade como MEI, além de prática, também pode proporcionar diversos direitos.

“Hoje, o grande benefício para esse empreendedor é que na contribuição dele, a maior parte é para o INSS. O 5% do valor que ele paga corresponde ao INSS, que é 5% sobre o salário mínimo. Hoje, o que ele paga de imposto é um real para o ICMS, que é a área de comércio e indústria, e cinco reais para serviço”.

Contribuindo para o INSS, o empreendedor tem o benefício da aposentadoria futura, atendendo aos requisitos e também o auxílio saúde. 

“O benefício de auxílio saúde, precisando, é um grande desafio gargalo para o meio microempreendedor individual, aquele que é autônomo, que está no mercado trabalhando e acaba que ele não tem um apoio, um sustento na hora que tem que ficar parado da atividade econômica. Então, essas são as vantagens.“

Desafios enfrentados pelos microempreendedores e estratégias que podem ser adotadas

Eligeneth Resplande afirma que os principais desafios enfrentados por esses trabalhadores estão voltados para a gestão de negócio; gestão financeira; gestão de produção, gestão de marketing de vendas, que é realizada muitas vezes, apenas por uma pessoa, que é o próprio microempreendedor. 

“Ele é o empresário, é ele quem a faz compra, que vende, que faz tudo dentro do negócio. Então, esse é um grande desafio. Mas existem soluções e caminhos, que é o planejamento, que pode dar agilidade para eles e dar facilidades”. 

O Sebrae é uma instituição que dá esse suporte nos processos gerenciais do negócio, onde o empreendedor vai ter orientação financeira e planejamento e também para o pagamentos dos boletos mensais. 

“Ele se formalizando, ele tem uma obrigação, que é o pagamento do boleto mensal, que é a contribuição e o imposto que ele paga sobre a atividade que ele exerce”. 

Confira no vídeo abaixo os requisitos, vantagens fiscais e tributárias de se tornar um MEI e como o Sebrae pode ajudar os trabalhadores autônomos a saírem da informalidade.