A proibição da discriminação é um princípio fundamental amplamente reconhecido, estando incorporado na maioria dos tratados internacionais, legislações nacionais e constituições dos Estados soberanos. Nesse contexto, o compliance antidiscriminatório assume um papel fundamental na garantia da aplicação efetiva desse princípio, assegurando que as organizações ajam de acordo com padrões éticos e legais.

Expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, ou na Constituição Federal de 1988, o princípio de que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" reforça o compromisso com a promoção da igualdade, da justiça e dos direitos fundamentais de todos os indivíduos, independentemente de sua origem, raça, gênero, orientação sexual, religião ou qualquer outra característica. 

A Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada pelo Brasil no Decreto nº 10.088 de 2019, tornou mais claro o conceito sobre o que é a discriminação sendo “toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”. 

No entanto, a realidade muitas vezes revela que a discriminação persiste em várias esferas da sociedade, inclusive no âmbito corporativo. De acordo com as Nações Unidas no Brasil,  pessoas de diferentes grupos sociais enfrentam em seu dia a dia situações de preconceito. São maltratadas ou estigmatizadas por serem negras, soropositivas, gays, nordestinas, viverem com uma deficiência, entre outras características alvo de discriminação no país.

Na prática a discriminação pode se manifestar de diversas formas: seja de maneira direta e deliberada, através de atos ou normas que perpetuam estereótipos e preconceitos; ou de forma indireta e não intencional, por meio de práticas aparentemente neutras, mas que têm impactos desproporcionais em determinados grupos.

A discriminação direta é caracterizada pela presença explícita de um animus discriminatório, ou seja, uma intenção deliberada de discriminar. Nesse contexto, o indivíduo é alvo de tratamento desigual com base em características individuais ou de grupo, como sua aparência física ou identidade. Um exemplo claro de discriminação direta seria o ato de recusar a contratação de uma pessoa gay exclusivamente com base em sua orientação sexual.

Na discriminação indireta, a disparidade de tratamento surge de forma sutil e dissimulada, sem uma intenção direta de discriminar. Os efeitos discriminatórios decorrem de práticas ou políticas que, embora aparentemente neutras, acabam por ter consequências adversas para certos grupos. Um exemplo disto é a ausência de acessibilidade adequada para pessoas com deficiência na concepção e construção de edifícios públicos e privados.

Assim, o compliance antidiscriminatório surge como uma resposta para que organizações possam prevenir e enfrentar práticas discriminatórias em todas as suas formas e refere-se às políticas, práticas e procedimentos implementados para garantir que todas as atividades estejam em conformidade com leis e regulamentos que proíbem a discriminação objetivando a promoção de um ambiente de trabalho justo, inclusivo e diversificado.

Alguns exemplos de práticas antidiscriminatórias incluem políticas de contratação justas e imparciais, treinamento regular sobre diversidade e inclusão, investigação imparcial de denúncias de discriminação, promoção com base no mérito e revisões salariais equitativas, entre outras.

Além de promover um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo, a adoção de práticas antidiscriminatórias pode trazer uma série de vantagens, tais como o aumento da diversidade de pensamento e perspectivas, a melhoria do clima e da produtividade dos funcionários, a promoção da inovação e criatividade, e o fortalecimento da reputação da organização como um empregador ético e responsável. 

No entanto, a ausência de tais práticas pode resultar em consequências negativas significativas, como processos judiciais e penalidades legais, danos à reputação, perda de talentos e clientes e impactos financeiros.
Mas, por onde as organizações podem começar? O primeiro passo ao iniciar seu programa de compliance antidiscriminatório é realizar uma análise de riscos, para identificar e avaliar os diversos tipos de discriminação que podem ocorrer dentro da organização, bem como os pontos vulneráveis em seus processos, políticas e cultura corporativa que podem facilitar ou perpetuar práticas discriminatórias. 

Durante a análise de riscos, as organizações podem criar, examinar, reavaliar e corrigir suas políticas de recrutamento, seleção, promoção e remuneração para identificar possíveis vieses ou lacunas que possam resultar em discriminação. Além disso, é importante avaliar a cultura organizacional e o ambiente de trabalho para identificar sinais de preconceito ou exclusão, como piadas ofensivas, comentários discriminatórios ou tratamento diferenciado de funcionários.

Além disto, diversas outras estratégias podem ser adotadas, como inclusão de metas de diversidade, treinamentos e palestras de sensibilização e inclusão, criação de grupos de afinidade ou comitês para funcionários sub-representados, e a  garantia de oportunidades equitativas de desenvolvimento e promoção. 

É importante destacar a relevância de iniciativas como a obtenção de selos para as organizações, a exemplo do selo "Racismo, Aqui Não! , criado pelo publicitário João Silva e concedido em parceria com o Instituto Maria Preta e IGCP -  Instituto Latino-Americano de Governança e Compliance Público. Esse selo, ao ser concedido a empresas que se comprometem ativamente com a promoção da igualdade racial e o combate ao racismo institucional, não apenas reconhece os esforços dessas organizações, mas também serve como um incentivo para outras seguirem o mesmo caminho.

Outro passo importante é a implementação de um canal acessível para o recebimento de denúncias de discriminação, bem como processos efetivos de investigações internas, e a aplicação de medidas disciplinares apropriadas quando necessário.

Adotar um sistema de compliance antidiscriminatório faz com que a organização esteja também alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, como o objetivo 5: acabar com todas as formas de discriminação, alcançar igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas e o objetivo 8: alcançar, até 2030, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor.

Para além das práticas, cada vez mais diversas organizações estão implementando departamentos de Diversidade e Inclusão. Todas essas iniciativas, juntas, têm o condão de atrair e reter mais talentos, reduzir riscos, além de contribuir para o desenvolvimento de um ambiente de trabalho mais justo e saudável.

Combater a discriminação não é apenas uma questão de aderir a padrões legais! Combater a discriminação vai além de simplesmente não aprovar ações que concedem tratamento ou políticas arbitrárias, é fundamental identificar ecorrigir práticas que, mesmo parecendo neutras, perpetuam a discriminação!

Danila Duarte

Mestranda em Gestão de Políticas Públicas com formação em Compliance. Atualmente é consultora, auditora e palestrante. Coordenadora do Compliance Women Committee no Tocantins e do Comitê de Compliance da Rede Governança Brasil. Possui certificações em Compliance Anticorrupção e Compliance Público. Autora dos livros: Guia Prático do Consultor de Compliance e do livro Mulheres no Controle do CONACI. Professora em cursos de Pós Graduação em disciplinas de Compliance. Membra do grupo de estudo da Transparência Internacional e da comissão de estudos ABNT da Norma ISO de Gestão de Riscos. É uma das coordenadoras da criação da nova norma ABNT/ISO de Governança Pública. Em 2023 foi palestrante do TDEX onde falou sobre Compliance e Integridade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2024]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 15 abr. 2024.

Presidência da República (Brasil). Decreto nº 10.088, de 5 de novembro de 2019. Consolida atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho - OIT ratificadas pela República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/d10088.htm. Acesso em 15 abr. 2024.

ONU - Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Nova York: Nações Unidas. Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld. Acesso em 15 abr. 2024.

ONU - Organização das Nações Unidas. Tem gente que sofre discriminação todos os dias. E se fosse com você? Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/76039-tem-gente-que-sofre-discrimina%C3%A7%C3%A3o-todos-os-dias-e-se-fosse-com-voc%C3%AA. Acesso em 15 abr. 2024.

ONU - Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Disponível em < https://www.ohchr.org/en/human-rights/universal-declaration/translations/portuguese?LangID=por >: . Acesso em 15 abr. 2024.