Dídimo Heleno

Há quem diga haver incompatibilidade congênita entre os termos “capitalismo” e “humanismo”, mas a juíza da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, em tutela de urgência, cancelou definitivamente a indisponibilidade de um imóvel reivindicado pela massa falida de uma empresa que quebrou há 41 anos, mas este está ocupado por uma família há 32. O síndico queria porque queria que o imóvel fosse a leilão.

Para a juíza Clarissa Somesom Tauk há uma série de características socioeconômicas da família ocupante do espaço, denominado de “cortiço”, sendo oito pessoas em situação extremamente vulnerável, incluindo idosos e uma criança portadora de deficiência. Essa família comprou o imóvel há 32 anos e, durante esse tempo, fez algumas reformas na estrutura. Foi apresentado comprovante de quitação de IPTU, além de certidão negativa de tributos imobiliários. 

Disse a magistrada: “Destaco que não se trata de caso clássico de usucapião de imóvel da massa falida, cuja decretação de quebra interrompe o prazo prescricional, mas de caso em que a família quitou devidamente o valor do imóvel. Tudo isso à revelia da atuação sindical, a qual foi nitidamente irresponsável para com o concurso de credores e com a Justiça brasileira. Resta claro que a utilização do imóvel como moradia, em respeito ao programa constitucional da dignidade humana (artigo 1º, III, da CF/88), se trata de utilização correta da propriedade, atendendo-se à sua função social”, pontuou. 

E continuou a julgadora: “A visão que deve permear a atuação do Poder Judiciário, mormente nestes casos, em que se destaca o valor supremo da dignidade da pessoa humana, reside no resgate dos ideais consagrados pelo capitalismo humanista, que propõe um novo enfrentamento do capitalismo, enquanto regime econômico, de modo a assegurar a concretização dos Direitos Humanos, relativizando o direito à propriedade e à livre iniciativa. Não se quer subverter a ordem implementada pelo sistema de insolvência, mas sim adequá-la a parâmetros fraternos e que resguardem os menos favorecidos, que acabam por ser os mais vulneráveis, como no caso em apreço”. (Processo 1027811-06.2023.8.26.0100).