Depois de anos de resistência, a Receita Federal terá de compartilhar informações sigilosas de processos de fiscalização com órgãos de controle. Auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) poderão acessar o sistema próprio do Fisco sem que isso seja caracterizado como quebra de sigilo fiscal.Como as entradas são rastreáveis, será possível identificar a origem do problema em caso de uso indevido das informações - a exemplo do que ocorreu quando os dados fiscais do presidente Jair Bolsonaro foram acessados indevidamente. A autorização será formalizada pela Advocacia-Geral da União (AGU) em 30 a 40 dias, por meio de um parecer vinculante, segundo apurou o Estadão/Broadcast.A decisão ocorre no momento em que o trabalho da Receita foi colocado em xeque, depois do vazamento de dados sobre investigações por indícios de irregularidades tributárias envolvendo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, sua mulher, Guiomar Feitosa, além da advogada Roberta Maria Rangel, mulher do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e da ministra Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).Pela primeira vez, servidores do TCU e da CGU terão acesso aos parâmetros e filtros usados pela Receita para identificar potenciais irregularidades e selecionar os alvos de suas fiscalizações. Eles poderão, inclusive, analisar e divulgar se os critérios são justos ou se há algum viés tendencioso, ainda que não possam revelá-los.Sigilo fiscalNa Receita, havia resistência ao repasse dessas informações. Na visão dos auditores, não havia segurança jurídica para a abertura dos dados. Integrantes do Fisco entendiam que poderiam ser acusados de quebra de sigilo fiscal. Com a emissão de um parecer vinculante - ou seja, que atinge todo o Executivo federal -, os servidores dos órgãos de controle terão não só acesso aos dados, mas responsabilidade sobre eles. Em caso de vazamento, eles estão sujeitos a punições.A negativa da Receita em repassar as informações no passado levou a uma série de embates com os órgãos de controle. Como mostrou o Estadão/Broadcast, o impasse ameaçava respingar na análise das contas significativas do Ministério da Fazenda de 2018, que respondem praticamente por metade do Balanço Geral da União (BGU). O processo, relatado pela ministra Ana Arraes, estava na pauta do plenário do TCU na quarta-feira passada. Nos bastidores, havia um movimento para votar pela abstenção por falta de informações - um recado forte da Corte de contas e um passo anterior à rejeição. Até hoje, o TCU só rejeitou as contas da ex-presidente Dilma Rousseff, processo que desgastou o governo da petista e contribuiu para seu impeachment.Diante da gravidade da situação, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a AGU entraram no circuito para costurar uma solução, enquanto o processo de Ana Arraes foi retirado de pauta. O desfecho do acordo levou otimismo aos técnicos e ministros do TCU. Dentro do Fisco, algumas fontes avaliam que os órgãos de controle poderiam fazer as fiscalizações por amostragem, sem acesso integral aos dados e ao "segredo do negócio", que são os parâmetros adotados para rastrear as irregularidades. Procurada, a Receita não se pronunciou.O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Sindifisco), Kleber Cabral, avalia que a solução de compartilhar o sigilo (incluída aí a responsabilidade sobre os dados) foi uma boa saída. "A Receita vai dar acesso e tudo que eles fizerem também ficará registrado, rastreado", afirma Cabral. Para ele, não deve haver grandes resistências à solução. "Feito esse parecer, vai dar segurança jurídica para que a Receita faça esse compartilhamento de dados e do sigilo", diz.