Assisti, com interesse, à entrevista, num programa de tevê de São Paulo, com o cantor Leonardo. O sucesso dele com o irmão Leandro, de saudosa memória, transcendeu as fronteiras de Goiás. Ganhou o Brasil e até mesmo alguns países da América Latina.

A jornalista foi feliz em focar na vida de Leonardo antes da fama, bem antes dos tempos em que eu conheci, em Goiânia, a dupla cantando, por um modesto cachê, nos bares da Praça Tamandaré.

Nos tempos duros, esses dois meninos ganhavam a vida plantando tomate na cidade de Goianápolis. “Vim a conhecer Goiânia com vinte anos de idade”, disse o cantor. “E olha que eu morava numa cidadezinha distante só 18 quilômetros da capital”, relatou ainda. Na verdade, o irmão do Leandro cometeu um pequeno equívoco, pois 40 quilômetros separam a cidade onde ele nasceu e foi criado de Goiânia.

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Leonardo é realmente uma pessoa simples. A fama e o dinheiro não lhe subiram à cabeça. Imagine a pobreza da família de uma das maiores duplas sertanejas do Brasil. Eles não tinham dinheiro para se deslocar pelos 40 quilômetros que separam Goianápolis da capital do estado. Logo que encerrou a entrevista, comecei a pensar no quanto o Brasil urbano e o rural caminham lado a lado neste país que apresenta uma das maiores desigualdades do planeta.

Uma das coisas que mais aprecio quando viajo para o sertão tocantinense é observar o depoimento dos sertanejos nos raros momentos que vão à cidade de Palmas, capital do estado.

Lá, ouvi de um sertanejo relato sobre o medo que ele passou ao entrar em um elevador pela primeira vez. Outro, disse-me que só entrou num avião porque levava a sua mulher para fazer uma operação de certa gravidade. “Dotô, o medo era tão grande que eu entrei no banheiro e de lá sai 40 minutos depois”. Meu avô paterno era um sertanejo que, quando vinha a Goiânia para tratamento, ficava inquieto. Era a saudade de uma vida devagar. As marcas do subdesenvolvimento persistem até hoje no sertão do Tocantins.

Essa dualidade entre o mundo urbano e o rural existe aqui e em inúmeros países do chamado mundo desenvolvido. Veja-se alguns exemplos.

Tenho ido, com certa frequência, ao bairro de Campinas. Ao caminhar pelas ruas da Campininha, repleta de casas e comércio, vejo que é lá o lugar em que as pessoas são vizinhas há décadas. Um ambiente assim é que faz do bairro de Campinas uma cidade do interior, daquelas em que as portas e janelas têm olhos e ouvidos.

Esse mundo urbano-rural existe aqui, ali e até dentro do modelo mental que há em cada um de nós. Aproveito a ocasião para relatar que descobri esse mundo quando visitei o desenvolvidíssimo Vale do Silício, onde se encontra a conceituada Universidade de Stanford.

Lá, a não mais que 300 metros do campus da universidade, tem uma pequena estação de trem. Quando eu estava prestes a adentrar no campus algo me chamou atenção: o trem se encontrava parado para que os passageiros entrassem. Todos, absolutamente todos, os  passageiros,com traços típicos dos índios da Califórnia, entraram no trem . Eles moravam em torno de 10 quilômetros daquela estação. E assim o sertão estava a menos de um quilômetro de distância de um dos maiores centros pensantes do mundo. Algo me fez lembrar daquele sertão mundo de Guimarães Rosa. Aquele sertão que está em toda parte, inclusive, dentro de nós.

Salatiel Soares Correia é Engenheiro, Administrador de Empresas, Mestre em Planejamento Energético. É autor de oito livros relacionados aos temas Energia, Economia, Política e Desenvolvimento Regional.

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