Toda vez que tomo conhecimento de um novo apagão de energia elétrica no país (ou em Goiás), vem-me à memória aquela famosa reflexão contida no livro “O pequeno Príncipe”, do escritor Antoine de Saint-Exupéry, de que “o essencial é invisível aos nossos olhos”.  O que essa frase deixa implícito é que devemos não dar muita importância às superficialidades e importar-se de fato com o que olhos não veem, mas com o que o coração sente.
 
 O prezado leitor terá toda a razão de questionar o autor deste artigo com a seguinte dúvida: que relação há entre essa reflexão de cunho filosófico e a série de apagões que vêm ocorrendo nos quatro cantos do país?
 
Eis a resposta: embora possam parecer díspares, as reflexões contidas no Pequeno Príncipe serão úteis para separar o essencial do ilusório quando o assunto é apagão de energia elétrica. Sendo assim, a superficialidade camufla verdades invisíveis aos nossos olhos. Dito isso, passo agora a discutir as explicações que certos tecnocratas vêm dando sobre o último apagão que ocorreu no Nordeste e nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
 
Na minha vida de 35 anos de trabalho no setor elétrico, bem como quatro livros relacionados à energia e um mestrado nessa área pela Unicamp, tive a oportunidade de testemunhar, inúmeras vezes, as dificuldades que certos tecnocratas tinham para tornar visível o que era invisível aos nossos Olhos.
 
Explico.  O visível é identificado nas explicações que a diretoria dava aos órgãos de imprensa. O invisível é a realidade que precisava ser escondida da população. 
 
Pausa para um exemplo. Presenciei, inúmeras vezes, apagões de energia elétrica em terras goianas. Nessas ocasiões, a imprensa ia diretamente pedir explicações ao presidente da empresa. Lembro-me, como se hoje fosse, de uma entrevista com a qual certo jornalista colocou na parede um personagem que ocupava um cargo que exigia dele o que este, de fato não, não tinha: competência técnica para estar lá. Reproduzo parte dessa entrevista: “Presidente, qual é a causa desse apagão que tem levado os produtores de leite a derramarem milhares de litros desse produto na calçada da empresa?”.
 
E, sem nenhuma condição de dar resposta, o executivo respondeu: “A causa foi um raio que caiu numa subestação lá do norte do estado”. De uma coisa os senhores tenham a certeza: o homem era bom na arte do chute. 
 
A causa real dos apagões da época estava naquilo que é invisível aos olhos da população e explica-se pela péssima qualidade de energia, ocasionada pela absoluta falta de investimentos na expansão do sistema elétrico.
 
E por que a empresa não investia? Pode ser essa sua dúvida, caro leitor; eis a resposta: não investia porque o ralo da corrupção drenava recursos para os financiadores das campanhas públicas que cobravam da empresa o retorno das contribuições feitas para a campanha do candidato que se elegera governador.
 
Resultado: o dinheiro fácil oriundo da inflação transformou-se nos tais esqueletos que o Plano Real desmascarou. E assim o invisível aos olhos da sociedade ganhou visibilidade. 
 
Os esqueletos tornaram-se visíveis aos olhos da sociedade. Por essa razão, a sociedade tratou de banir do mundo político determinados governantes identificados com essa realidade altamente predadora, que drenavam para empreiteiros os recursos que deveriam ser aplicados na melhora da qualidade da energia.
 
Desse passado predador, chegamos ao mundo de hoje, que privatizou inúmeras empresas estatais, inclusive, a empresa que dava o rumo que deveria seguir o setor de elétrico no Brasil, falo da Eletrobras.  Sem rumo, com regulação frágil e com as empresas privadas jogando o seu próprio jogo, a consequência não poderia ser outra. A escassez de investimentos de longo prazo, aliada à fome de lucro das empresas privadas, está entre as causas dos apagões que ocorrem no país. A causa é, sim, antes de de tudo, de natureza institucional. Essa triste realidade não é visível aos olhos da população por ela ser, de fato, o essencial. Tal como previa, em seus escritos, o sábio Antoine de Saint Exupéry.
 
Salatiel Soares Correia
é engenheiro, Bacharel em administração de empresas, Mestre em energia pela Unicamp e autor de oito livros, sendo quatro relacionados ao tema energia.