As ligações e os emails chegam a todo momento, noite e dia. Os potenciais compradores não estão mais à procura de diversão ou prestígio. Em vez disso, perguntam sobre água doce e painéis solares. Não são as perguntas habituais.Os corretores que vendem ilhas estão sobrecarregados.A pandemia de coronavírus devastou países pelo mundo afora, subvertendo quase todos os aspectos da vida de todo o mundo, incluindo as pessoas mais protegidas pelo dinheiro. Mesmo o mundo milionário e de nicho da compra e venda de ilhas foi virado do avesso.“Os últimos dois meses foram os mais movimentados que já vi, em 22 anos passados vendendo ilhas”, comentou em julho Chris Krolow, executivo-chefe da Private Islands Inc. O ritmo não diminuiu desde então, segundo ele. A única vez em que ele teve algo que se aproximou do número atual de consultas foi pouco após o desastroso Fyre Festival na ilha de Great Exuma, nas Bahamas, em 2017. Krolow contou que na época, por algum motivo, foi inundado por pedidos de informação “de jovens interessados em fundar seu próprio país”.Antes da pandemia, a compra de uma ilha geralmente era algo feito por clientes muito ricos, quase sempre homens, depois de se aposentarem, disseram corretores. O interesse por adquirir uma ilha geralmente acometia os milionários alguns anos depois de eles terem se cansado de suas outras aquisições de luxo.“A pessoa já tem seu próprio iate, seu jatinho, e agora quer sua ilha particular”, explicou John Christie, presidente da Christie’s International Real Estate, corretora imobiliária com sede nas Bahamas.Os corretores que vendem ilhas sabiam como atender esses clientes. Estes geralmente queriam um lugar onde pudessem sentir-se “donos de tudo, de uma ponta à outra”, disse Christie –um pequeno reino próprio onde a única autoridade seria a deles. Alusões a vizinhos bilionários ou celebridades podiam tornar a aquisição ainda mais atraente.Mas a nova onda atual de compradores de ilhas é movida não tanto pelo ego quanto pelo desejo de escapar do alcance do vírus, e os corretores, como seus clientes, não estão acostumados a avaliar questões de sobrevivência. Assim, mesmo após alguns meses de procura intensa, eles estão tendo dificuldade em atender os novos pedidos feitos por clientes, como uma horta na ilha para acompanhar o heliporto.A despeito do interesse muito grande movido pela crise do coronavírus, a firma de Krolow, sediada no Canadá, fechou apenas algumas poucas vendas até agora. Como outros corretores, Krolow diz que tem gasto boa parte de seu tempo avaliando as expectativas sobre o que é realmente preciso para tornar uma ilha autossuficiente –a logística de um paraíso é complicada—e tentando encontrar maneiras de mostrar as ilhas à venda aos potenciais compradores, em meio a todas as restrições às viagens.Dylan Eckhard é agente imobiliário da Nest Seekers International. Ele conta que recebe muitos telefonemas de clientes dizendo algo como “dinheiro não é problema. Encontre para mim um lugar onde minha família não possa adoecer.” Recentemente ele tentou fazer isso para uma família, alugando para ela uma ilha particular no Maine, EUA, por US$ 250 mil por semana.Mas alugar não é o bastante para algumas pessoas muito ricas. A pandemia alterou de modo fundamental o modo como elas encaram a ideia de estar com outros humanos no longo prazo.“Antes, uma ilha era vista como um brinquedo”, comentou Marcus Gondolfo-Gordon, executivo-chefe da imobiliária inglesa Incognito Property. Agora os clientes descrevem a ilha de seus sonhos como algum lugar onde só se chega depois de “uma viagem muito longa de barco”, garantindo que ninguém apareça por acaso para invadir seu isolamento. Eles também querem acesso a água doce, painéis solares e uma casa já pronta para ser habitada.Gondolfo-Gardin é obrigado a dizer aos clientes que preparar uma ilha em pouco tempo para a autossuficiência de seus moradores não é tarefa fácil. Construir em ilhas particulares leva muito mais tempo que no continente ou mesmo que em ilhas não particulares. E os corretores não têm como garantir que as ilhas estarão a salvo de turbulência civil. Esta semana, por exemplo, ele examinou uma ilha belíssima no leste do Mediterrâneo –avaliada em US$7,4 milhões, uma pechincha. Mas há algumas tensões nessas águas, cujo controle é disputado pela Turquia e a Grécia.“Vocês vão ter que acompanhar o noticiário”, ele diz a seus clientes. Outra coisa que eles terão que levar em conta é que a linha costeira de sua ilha pode ser afetado pela mudança climática. Se isso for demais para eles enfrentarem, Gondolfo-Gardin os aconselha a alugar um super-iate.Vários compradores se recusaram, por meio de seus corretores, a ser entrevistados sobre suas experiências na compra de ilhas.Antes da pandemia, a venda de ilhas era uma parte minúscula e de butique dos negócios da maioria dos corretores imobiliários.Agora que muitos vendedores relatam um aumento no interesse por ilhas, vários corretores disseram que as ilhas estão ganhando importância em seus negócios. Mesmo assim, Krolow é uma raridade por ser um corretor que trabalha exclusivamente com ilhas, o tempo todo.Ele ajudou a vender sua primeira ilha no final dos anos 1990, quase por acaso, depois de aceitar a oferta de um vendedor de anunciar sua ilha no pequeno site sobre ilhas que Krolow havia criado.Hoje, duas décadas mais tarde, o site de Krolow inclui centenas de ilhas. Algumas custam menos de US$100 mil –é o caso, por exemplo, de pequenas ilhotas rochosas nos grandes lagos canadenses. Outras comandam somas de oito ou nove dígitos e incluem pistas de pouso e resorts já construídos em águas cristalinas do Caribe e do Pacífico Sul.Corretores dizem que uma das maiores vantagens de se vender ilhas durante uma pandemia é que os clientes são mais flexíveis quanto à localização. Compradores britânicos, que antes eram obcecados por ilhas gregas, hoje se alegram com a ideia de se isolaram nas Seychelles ou no Mar da Irlanda. O entusiasmo de compradores americanos e canadenses pelo Pacífico Sul recentemente foi superado pelo interesse por regiões mais próximas, como as Bahamas, Belize e Panamá.Mas levar clientes para conhecer ilhas está mais complicado que nunca. Em dado momento, Krolow estava com uma dúzia de potenciais compradores interessados em ver ilhas em Belize, mas os aeroportos estavam fechados. Nos últimos seis meses houve apenas algumas semanas em que foi possível ir e vir do Caribe facilmente de avião, disse Edward de Mallet Morgan, sócio da corretora imobiliária Knight Frank, de Londres.Comprar uma casa sem visitá-la antes é uma coisa, disse Morgan, “mas comprar uma ilha é outra, especialmente se você não pode sequer mandar seus assessores profissionais fazeram uma vistoria dela antes de fechar o negócio”.As Ilhas Virgens Britânicas proibiram a entrada de turistas até pelo menos dezembro. E embora os voos para as Bahamas tenham sido retomados, os visitantes precisam se comprometer a instalar um aplicativo em seus telefones e a fazer quarentena por duas semanas. Alguns clientes consideram essas medidas onerosas demais.Alguns potenciais compradores encontraram maneiras de contornar as limitações. Um dos clientes de Christie nos Estados Unidos mandou o capitão de seu barco levar o iate da Flórida às Bahamas. O cliente pegou um voo particular e então embarcou em seu iate, onde supostamente fez quarentena.Depois disso, o capitão o levou para conhecer dois lugares com potencial para virarem refúgios da pandemia. Um deles era Bonefish Cay, uma ilha de US$ 8,2 milhões e 52 mil metros quadrados que já contava com cinco construções e a capacidade de gerar sua própria eletricidade. Mas não era exatamente o que o cliente procurava, ele disse a Christie.A outra opção era Foot’s Cay, ilha de US$ 8,7 milhões, com 80 mil metros quadrados, incluindo uma casa principal com quatro quartos e um bunker de concreto, à prova de intempéries climáticas, contendo um gerador. Era uma possibilidade mais interessante –mas, quando o cliente chegou à ilha, ela já tinha sido abocanhada por outro comprador.-Imagem (1.2133158)