As Circunscrições Judiciárias Militares (CJM) completam, no corrente ano, 104 anos, tendo sido criadas, por meio de Decreto, em 30 de outubro de 1920. Formam a primeira instância da Justiça Militar da União (JMU) instituída mediante alvará, com força de lei, de 1º de abril de 1808. Esta foi uma das primeiras medidas adotadas por D. João, Príncipe Regente de Portugal, após a sua chegada ao Brasil.

Mesmo sendo a justiça especializada mais antiga do País, a Justiça Militar da União, que tem no Superior Tribunal Militar (STM) a sua segunda instância, é pouco conhecida da população e, por conta disso, muitas dúvidas existem sobre as suas atribuições e o seu papel no Poder judiciário. Como exemplo, são rotineiras as desinformações de que a Justiça Militar existe para julgar militares e de que os militares só podem ser julgados pela Justiça Militar. A informação correta é que a justiça castrense, como também é conhecida, existe para processar e julgar cidadãos, militares ou civis, que venham a cometer crimes militares definidos em lei. Se o militar das Forças Armadas vier a cometer um crime comum, este será julgado pela Justiça Comum e não pela Justiça Militar.

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São doze as CJM existentes no País, divididas em auditorias, cada uma delas com dois juízes federais, que são civis e concursados. A 11ª CJM, sediada em Brasília, tem como sua área de jurisdição os estados de Goiás, Tocantins e o Distrito Federal.

Via de regra, é na Circunscrição Judiciária Militar que se dá início ao julgamento de um crime militar, cabendo o recurso ao STM. Caso o réu seja militar, será julgado por um Conselho de Justiça composto por quatro oficiais, que poderão ser da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, presidido pelo juiz federal daquela Auditoria. Os militares que compõem o Conselho são designados por sorteio realizado pelo Comando Militar da área de jurisdição da Auditoria Militar. O réu, quando civil, será julgado, de maneira monocrática, pelo juiz togado.

Em seus 104 anos de existência, as Circunscrições Judiciárias Militares tiveram destacada participação em julgamentos de militares e civis que participaram de fatos de grande repercussão. Marcha dos 18 do Forte de Copacabana, Revolução Constitucionalista, greves do ABC Paulista, caso Riocentro, motim de controladores de voo, missões de paz com participação das Forças Armadas são alguns exemplos.

Menção especial para a participação da primeira instância da Justiça Militar na Segunda Guerra Mundial, quando duas auditorias foram criadas junto à Força Expedicionária Brasileira (FEB). Durante o conflito, foram julgados 238 crimes, dos quais 2 autores de homicídios dolosos foram condenados com a pena de morte, não cumpridas. A pena foi transformada, pelo Presidente da República à época, em prisão perpétua e, posteriormente, em 30 anos de cadeia.

Nesses 104 anos, as auditorias militares muito evoluíram e seguem acompanhando as mudanças que vêm alcançando o Poder Judiciário. Após a aprovação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), das diretrizes para a implantação do Juiz de Garantias, as auditorias militares estudam a sua implementação. Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional, Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que trata do aumento de competências, na qual são transferidos para a Justiça Militar os processos administrativos e disciplinares de militares que, atualmente, são julgados na Justiça Comum.

A atribuição maior da Justiça Militar da União é a de processar e julgar crimes militares definidos em lei e, assim, contribuir para a promoção da Justiça, não permitindo que os pilares básicos da vida militar, a hierarquia e a disciplina, possam ser comprometidos.&nbsp;

Didio Pereira de Campos é coronel da reserva do Exército e assessor de comunicação social do Superior Tribunal Militar

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104 Anos das Circunscrições Judiciárias Militares

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Didio Pereira de Campos

Vídeo que mostra PM guiando estudantes a cantarem palavras de ódio foi gravado durante ação de combate à violência

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A obra "Os Sertões", de Euclides da Cunha, foi um divisor de águas para o Brasil, revelando aos brasileiros litorâneos a realidade do sertão que era, até então, ignorada. Com profundidade e impacto, Euclides mostrou um Brasil rural, marcado pela resiliência e força de seu povo, um Brasil que vivia invisível para o litoral e para as elites urbanas. Essa descoberta do Brasil profundo permanece viva, especialmente por meio da música sertaneja, que traduz a alma do sertão e dos rincões de norte a sul do país.

No entanto, Lulu Santos, artista que construiu sua carreira com referências à cultura de praia e à urbanidade, frequentemente, critica a música sertaneja com um desdém que revela uma visão limitada e elitista do que é a cultura popular brasileira. Suas críticas parecem nascer de uma percepção que privilegia Copacabana e o mundo das praias californianas, distantes do Brasil real. Ao criticar o gênero sertanejo, Lulu Santos deixa transparecer uma visão tipicamente influenciada pelo que Nelson Rodrigues definiu como "complexo de vira-lata".

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Esse "complexo de vira-lata" descreve um sentimento de inferioridade e desprezo pelo que é próprio do Brasil, acompanhado de uma admiração quase cega pelo que vem do Primeiro Mundo. Aqueles que possuem essa visão tendem a enxergar o Brasil como um país sempre menor, menos interessante e pouco valioso, preferindo idealizar países estrangeiros, como se tudo o que é de fora fosse superior. No caso de Lulu, sua música, muitas vezes, exalta a estética e o estilo de vida praiano, inspirando-se no cenário da Califórnia, e minimiza o valor do sertanejo – a música que fala sobre o Brasil profundo e suas raízes culturais.

Ao desconsiderar o sertanejo, Lulu Santos revela uma postura elitista e desconectada com o Brasil que existe fora do asfalto e das ondas do mar. Esse Brasil que ele escolhe não enxergar está no Tocantins, no Pará, no Mato Grosso,&nbsp; e em tantos outros cantos do país, onde a música sertaneja ecoa e representa a verdadeira expressão do povo brasileiro. Esse Brasil sertanejo é sucesso em todo o território nacional, lotando arenas e celebrando com canções que traduzem o dia a dia e as paixões de quem vive no interior.

A postura de Lulu&nbsp; Santos é ainda mais emblemática quando lembramos de um episódio em que ele realizou um show, em uma cidade do interior, para um público quase inexistente, enquanto o sertanejo continua a atrair multidões em todo o país. Esse contraste revela o quanto a música sertaneja é acolhida e reverenciada, com um valor que vai muito além do que qualquer moda ou referência externa poderia oferecer.

O Brasil de verdade – aquele que inspira o sertanejo – também se encontra no interior de São Paulo, de Goiás, de Minas Gerais e de tantos outros estados, onde o povo canta as suas emoções, as suas histórias, suas dores e suas paixões, entregando-se aos amores, correspondidos ou não. Essa é a alma pura e genuína do Brasil, algo que Lulu Santos parece não compreender. Sua postura, marcada por esse "complexo de vira-lata", limita-o a enxergar o país como algo inferior, enquanto exalta uma estética distante e fantasiosa, a qual associa ao Primeiro Mundo.

Ao atacar a música sertaneja, Lulu Santos não faz mais do que reafirmar a importância e a autenticidade desse gênero que representa o verdadeiro Brasil, aquele que ele, influenciado por uma mentalidade "vira-lata", escolheu ignorar. Como dizia Nelson Rodrigues, esse complexo nos afasta de nós mesmos e das nossas raízes, impedindo-nos de valorizar a nossa riqueza cultural e o país que, embora longe das praias de Copacabana ou da Califórnia, é o Brasil que realmente existe e pulsa.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, bacharel em administração de empresas, mestre em energia pela Unicamp. É autor de oito livros relacionados às áreas de energia, economia, literatura e desenvolvimento regional.