Para que deixar para o ano que vem se você pode resolver agora? O fim do ano costuma trazer a falsa sensação de que certos problemas podem ser empurrados para depois, mas na prática essa inércia prolonga conflitos que poderiam ser encerrados com objetividade. No âmbito jurídico, a postergação raramente traz vantagem. Litígios que se arrastam consomem tempo, recursos e energia emocional, enquanto soluções construídas no presente entregam segurança e previsibilidade.

A morosidade judicial, embora real, não impede que as partes alcancem resultados rápidos. A legislação processual abre espaço para a autocomposição, e o acordo judicial consolidou-se como ferramenta eficaz para encurtar o tempo dos processos. Em vez de aguardar anos por uma sentença, as partes podem construir uma solução imediata, proporcional e executável, encerrando o conflito sem recorrer a intermináveis fases recursais.

Esse movimento também é prioridade institucional. Para 2025, o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu, entre suas metas, o incremento das conciliações, reafirmando o compromisso com a pacificação social. A Meta 3 prevê estimular a conciliação nos diferentes ramos do Judiciário. No âmbito da Justiça Estadual, o objetivo é aumentar o Índice de Conciliação da Justiça em números em 1 ponto percentual em relação a 2024, observada cláusula de barreira mínima de 17%.

Na Justiça Federal, a meta é elevar o índice em 0,5 ponto percentual em relação ao biênio 2023/2024, com cláusula mínima de 8%. Já na Justiça do Trabalho, busca-se ampliar o índice em 0,5 ponto percentual em relação à média do biênio 2022/2023 ou, no mínimo, alcançar 38% de conciliações. Esses parâmetros evidenciam que o Judiciário&nbsp;está orientado para fortalecer soluções negociadas como via legítima, eficiente e desejável.

Se o Judiciário estimula acordos, é porque eles encurtam o caminho. A conciliação não elimina direitos, apenas reorganiza expectativas de forma racional. Permite que as partes retomem o controle do próprio litígio e evitam o desgaste de esperar anos por uma resposta estatal. Resolver agora, antes da virada do ano, significa atravessar o próximo ciclo sem carregar pendências que bloqueiam decisões importantes ou absorvem energia que poderia ser dedicada a novos projetos.

O momento de virar a chave é o presente. Problemas antigos não desaparecem com o calendário, mas soluções bem conduzidas encerram conflitos e trazem tranquilidade. Se você tem um problema antigo para resolver no ano novo, procure uma equipe especializada e comece o próximo ano com mais tranquilidade.

Kaique de Oliveira Fraz é pós-graduado em processo civil e em direito administrativo pela Damásio Educacional. Atua com ênfase nessa área.

Os artigos publicados não refletem a opinião do Jornal do Tocantins. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.&nbsp;

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Não espere por 2026: acordos judiciais agilizam soluções e evitam conflitos prolongados

Opinião

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Matéria - Opiniao - JTO

Kaique de Oliveira Fraz

No Brasil, o tema sobre leitura é debatido com frequência. Seu acesso e o combate ao analfabetismo são, precisamente, vistos como pilares para o melhor desempenho da educação no país. Para além desses pontos, outra base também merece atenção: a escrita. É com ela que o ser humano explora seu teor criativo de forma aprofundada, o que possibilita a abertura de portas no futuro.

Antes de um debate, é preciso compreender que a escrita e a criação andam de mãos dadas. O ato de escrever pode ser realizado com infinitos propósitos: uma mensagem para um amigo, uma lista de afazeres e, até mesmo, a publicação de um livro. Apesar de ser considerado uma forma de libertação ou transcrição de sentimentos, muitos ainda ficam estagnados em “barreiras invisíveis” na hora de colocar as ideias em prática.

A falta do acesso à leitura é um exemplo claro – se não há entendimento total do que está sendo lido, não há margens para que ideias se estruturem no papel. Além disso, outras questões são colocadas em jogo, como a falta de confiança, tempo e recursos. Logo, é preciso que haja uma compreensão de que há uma lacuna entre ter ferramentas para escrever e conseguir utilizá-las.

<div class="p-readmore-box"><a href="https://www.jornaldotocantins.com.br/opiniao/tendencias-e-ideias/stf-a-nova-teocracia-brasileira-1.3347005" target="_blank">STF: a nova teocracia brasileira</a> 
<a href="https://www.jornaldotocantins.com.br/opiniao/tendencias-e-ideias/matar-n-o-causa-espanto-1.3345584" target="_blank">Matar não causa espanto?</a></div>

É inegável que combater o analfabetismo é primordial para que a escrita se torne acessível. No entanto, o olhar deve ser mais aprofundado. O estímulo à criatividade tem que ser constante, acompanhado de capacitação e observação dos recém-escritores. Eles são quem precisam se sentir representados, como parte de um núcleo – uma maneira de alcançar esse objetivo é oferecer trocas com autores consolidados, por exemplo, com relatos de quem usou dos textos para evoluir pessoal e profissionalmente.

A escrita é um modo de construir a própria identidade e dar voz a quem necessita. A democratização exige um projeto contínuo, com a proposta de ser uma ponte para que a criação das mais variadas estruturas se torne uma realidade. Seja no papel, seja nas telas, escrever é um caminho para aquele que ainda não encontrou palavras para sua própria história.

Ana Macedo é assessora editorial e cofundadora da VC.autor, primeira franquia de assessoria editorial do Brasil.

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A urgência de caminhos para a escrita acessível

Ana Macedo

Diante da ameaça que paira sobre o pé de pequi centenário de Santa Rosa do Tocantins — município a 160 km de Palmas, berço de um povo que cultiva tradições, simples e acolhedor —, é preciso ecoar o princípio que guia esta defesa: "árvores não se derrubam, se plantam". Esta não é apenas uma frase de efeito, mas a expressão fiel do que sente e vive uma comunidade inteira. Se há quem ainda não reconheça ou valorize sua importância — por desconhecimento, por distanciamento afetivo ou por não enxergar além do concreto —, essa indiferença só reforça a urgência de afirmarmos, juntos, que certas raízes sustentam muito mais que troncos e folhas: sustentam história, identidade e futuro.

Desde muito antes da emancipação do município e da própria criação do estado, Santa Rosa do Tocantins já era guardada por este pequizeiro majestoso. Sua copa nunca foi apenas sombra — foi palco de vida. Sob seus galhos, meninas organizavam partidas de vôlei, meninos armavam campeonatos de futebol, mães passeavam com os bebês nos carrinhos, embaladas pela mesma brisa acolhedora. O espaço se tornou ponto de encontro de todas as idades: dos namoros discretos às longas conversas entre adultos, entre músicas, cervejas e risadas que ficaram na memória.

Mas sua generosidade vai além do dia a dia. Essa mesma sombra acolhe o povão e os visitantes no calor de julho, especialmente durante as festas do Divino Espírito Santo, quando a igreja não consegue abrigar todos os fiéis. E assim, do lado de fora, a comunidade se reúne sob sua copa, ouvindo a missa e participando juntos, num verdadeiro altar ao ar livre. Quando a estação chega, o chão aos seus pés se veste de verde e amarelo – cores do fruto que, por fora se camufla na folhagem, e por dentro explode no ouro da polpa. É uma pequena pátria em cores, um amor que se colhe e se saboreia. Todos então se deliciam com o fruto pitoresco e marcante — aquele que, nas rodas de conversa, é sempre chamado de “pequi dos bons”, saboreado e celebrado como só quem é da terra sabe fazer.

<div class="p-readmore-box"><a href="http://jornaldotocantins.com.br/opiniao/tendencias-e-ideias/o-grande-inquisidor-liberdade-poder-e-o-drama-da-condic-o-humana-1.3344598" target="_blank">O grande inquisidor: Liberdade, poder e o drama da condição humana</a> 
<a href="https://www.jornaldotocantins.com.br/opiniao/tendencias-e-ideias/ia-a-favor-das-criancas-identificar-abusadores-on-line-e-proteger-seu-filho-1.3346312" target="_blank">IA a favor das crianças: identificar abusadores on-line e proteger seu filho</a></div>

Para a maioria dos moradores, essa pauta está longe de ser banal. Defender a permanência do nosso pequizeiro não é um gesto de afronta, mas um grito de socorro daqueles que reconhecem sua história e seu legado. Foi diante dessa ameaça concreta que a comunidade despertou. Jovens, adultos e idosos uniram-se numa mobilização que começou nas redes e ganhou as ruas. O que surgiu como posts isolados de indignação virou um movimento: stories e reels se multiplicaram no Instagram, grupos de WhatsApp ficaram cheios de estratégias e apoio. Gerações que, em outros contextos, vivem em mundos digitais diferentes, se encontraram online com um único propósito: salvar o pequizeiro. Essa voz, que começou virtual, tomou corpo e ganhou a rua, entrando de vez no coração da comunidade.

Cada fruto que caía era um marco no calendário afetivo da cidade. As quermesses, as festas, as conversas sem hora para acabar — tudo encontrava abrigo sob a copa do pequizeiro. Suas raízes se misturam às nossas lembranças. Não é por acaso que o pesquisador Alcides Buss define árvores como esta como “seres históricos e afetivos”, que moldam a paisagem e a cultura de um povo. O pequi, fruto símbolo do Cerrado, carrega esse duplo valor: é sabor, tradição, identidade. É também patrimônio imaterial e gastronômico do Brasil, reconhecido pelo IPHAN. Defender esse pequizeiro, portanto, vai além de salvar uma árvore: é preservar um capítulo vivo da nossa história, um ponto de referência que nos diz quem somos e a que comunidade pertencemos.

Esta onda de resistência mostrou, mais do que revolta, um senso profundo de pertencimento. Pais que brincaram sob sua sombra, avós que a viram crescer e jovens que só a conhecem como marco afetivo — todos entendem que certas raízes são inquebráveis, porque se fundiram à própria identidade do povo. Afinal, como já ensinou João Guimarães Rosa, "matar uma árvore assim é como queimar um arquivo vivo da gente".

Mas eis que surge uma ameaça traiçoeira: o pequizeiro foi envenenado. A pergunta, agora, é outra: será que ele sobreviverá a esse atentado contra sua história e contra a nossa memória?

Será que nossa capacidade de criar é tão pequena que não consegue respeitar a sabedoria de um século? Modernidade de verdade não apaga, soma. Um projeto que abrace o pequizeiro, em vez de removê-lo, não seria apenas uma solução inteligente — seria a prova de que damos valor à nossa história. Que cidade queremos ser: aquela que apaga suas testemunhas silenciosas ou aquela que constrói seu futuro sem derrubar suas raízes?

É com esse lema que me levanto para dizer: "árvores não se derrubam, se plantam". Este pequizeiro já plantou tantas histórias – minhas, dos meus pais, de nossos vizinhos, irmãos e amigos –, tanto afeto e significado, que perdê-lo seria rasgar páginas inteiras da nossa memória. E não se trata apenas de sentimento: desde janeiro de 2025, a Lei Federal 15.089 protege os pequizeiros em todo o país, reconhecendo seu valor inestimável. Defender esta árvore é, portanto, fazer valer a lei e honrar nosso patrimônio. O verdadeiro desafio, agora, é duplo: salvá-lo deste ataque silencioso e garantir que as futuras gerações possam se reunir sob sua sombra. O que faremos para não deixar que este capítulo de nossa história seja encerrado pela força, e não pelo tempo?

Nágila Sávia Souza Quintanilha é professora efetiva da rede municipal de ensino de Palmas e Santa Rosa do Tocantins e Secretária de Saúde do Trabalhador em Educação do SINTET - Regional de Porto Nacional. É licenciada em Letras (UNITINS) e Pedagogia (UNIFAVENI), com especialização em Língua Portuguesa e Literaturas e em Orientação e Supervisão na Educação Infantil. Atualmente é mestranda em Linguística Aplicada pela UFT (Campus de Porto Nacional).

Os artigos publicados não refletem a opinião do Jornal do Tocantins. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.&nbsp;

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Árvores não se derrubam, se plantam: O pequizeiro centenário como testemunha da vida santarosense

Nágila Sávia Souza Quintanilha

A Justiça determinou a interdição parcial da unidade penal de Araguaína após registro de superlotação. O local, que tem capacidade para 115 pessoas, atualmente recebe 240 detentos. São 125 pessoas a mais que o permitido. Segundo a decisão, a situação do presídio pode prejudicar a segurança e dignidade dos presos e servidores.

A Seciju informou que iniciou os trâmites internos para atender às determinações judiciais dentro do prazo estabelecido&nbsp;(veja nota completa abaixo).

A decisão é do juiz Jorge Amancio de Oliveiras, da 1ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Araguaína. Segundo o documento, o estado deverá cumprir algumas medidas para resolver a situação da unidade penal. São elas:

<ul>
	<li>Proibido o ingresso de novos presos a partir da data de intimação;</li>
	<li>Transferir os presos que são de outras unidades da federação em um prazo de 45 dias úteis;</li>
	<li>Elaboração e execução de projeto para ampliação da unidade penal e retorno de servidores cedidos a outros órgãos;</li>
</ul>

Na decisão, não é informado quantos servidores foram cedidos para outros órgãos. O&nbsp;g1&nbsp;solicitou um posicionamento sobre o déficit de policiais penais na unidade penal de Araguaína e aguarda retorno.

<div class="p-readmore-box"><a href="https://www.jornaldotocantins.com.br/cidades/mulher-tocantinense-na-lista-de-pessoas-mais-procuradas-do-brasil-tem-ficha-criminal-com-fuga-e-policial-atropelado-1.3348573" target="_blank">Mulher tocantinense na lista de pessoas mais procuradas do Brasil tem ficha criminal com fuga e policial atropelado</a> 
<a href="https://www.jornaldotocantins.com.br/cidades/carro-capota-em-avenida-de-palmas-e-motorista-morre-apos-ser-arremessado-1.3348458" target="_blank">Carro capota em avenida de Palmas e motorista morre após ser arremessado</a></div>

Segundo o Ministério Público, investigações apontaram que havia 279 detentos na unidade penal, sendo 38 internos por cela. Nos autos, o Estado informou que, devido à transferência de alguns presos, a população carcerária passou a ser de 240 pessoas, número superior ao limite do presídio.

A denúncia do MP ainda apontou para a falta de higiene, estrutura física e déficit de policiais penais.

"Os elementos coligidos indicam risco iminente de danos irreparáveis ou de difícil reparação, seja pela possibilidade de surtos de violência interna, colapso das condições de higiene, proliferação de doenças, seja pelo comprometimento da saúde e segurança dos internos e dos agentes públicos", afirmou o juiz na decisão.

No documento, o juiz ainda afirmou que cabe "ao Estado assegurar a integridade física e moral de todos aqueles que se encontram sob sua guarda".

Caso a medida não seja cumprida, o estado poderá ser multado em R$ 2 mil por dia, com limite do valor total da multa de R$ 300 mil.

Íntegra da nota da Seciju

A Secretaria da Cidadania e Justiça (Seciju) informa que recebeu a notificação judicial referente à decisão da 1ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Araguaína sobre a situação da Unidade Penal de Araguaína (UPA).

A pasta esclarece que já iniciou os trâmites internos para atender às determinações judiciais necessárias dentro dos prazos estabelecidos.

Presídio de Araguaína é interdidato parcialmente por superlotação de detentos

Cidades

Cidades - título

Matéria - Cidades- JTO

Entenda 

A tentação de transformar convicções pessoais em lei universal sempre 
acompanhou a humanidade. No Brasil hodierno, por exemplo, o Olimpo judiciário — 
cujo Zeus careca parece dominar com certa malevolência — representa uma nova forma 
de teocracia. Não no sentido clássico de um governo assumidamente religioso, mas 
como um poder que busca revestir decisões políticas com a aura de uma verdade 
absoluta, imune ao debate e à dúvida. Exemplo disso é a nova decisão monocrática do 
“Poseidon Mendes”, proferida em 3 de dezembro, na qual se determinou que apenas o 
Procurador-Geral da República (PGR) pode apresentar pedidos de impeachment contra 
os deuses do Olimpo STF.

A história oferece um alerta recorrente: sempre que um grupo passa a tratar sua 
visão de mundo como revelação incontestável, a política deixa de ser diálogo e 
converte-se em cruzada. O debate se estreita, o dissenso é visto como ameaça, e o poder 
assume a forma de um sacerdócio laico, investido da convicção de que interpreta 
verdades últimas. Nesse ambiente, surge a figura simbólica do inquisidor — não 
necessariamente vestido de hábitos religiosos, mas trajando a certeza de que seu 
julgamento é superior. Ele confunde sua própria crueldade, seu medo e sua fome de 
domínio com a voz do céu. Acredita-se instrumento do bem, mesmo quando age guiado 
por paixões comuns: orgulho, ressentimento, desejo de controle e militância partidária, a 
exemplo do que os deuses do STF têm feito. E, por se julgar purificado por intenções 
elevadas, passa a interpretar seus impulsos mais severos como virtude e seus excessos 
como zelo, mesmo que esse zelo pisoteie a Constituição Federal.

<div class="p-readmore-box"><a href="https://www.jornaldotocantins.com.br/opiniao/tendencias-e-ideias/matar-n-o-causa-espanto-1.3345584" target="_blank">Matar não causa espanto?</a> 
<a href="https://www.jornaldotocantins.com.br/opiniao/tendencias-e-ideias/medo-de-avi-o-1.3335556" target="_blank">Medo de avião</a></div>

Quando um governo se aproxima dessa lógica — e o nosso já chegou nesse 
patamar olimpiano — aproxima-se também do seu pior. A teocracia — ainda que 
disfarçada, implícita ou meramente simbólica — torna qualquer sistema político mais 
rígido, mais intolerante e incapaz de reconhecer nuances. Uma vez que uma metafísica 
se torna fundamento oficial do Estado, ela opera como filtro moral que divide a 
sociedade entre “puros” e “inimigos”. A partir daí, não importa se o discurso é religioso, 
ideológico ou jurídico: o resultado é o mesmo — tirania. O adversário deixa de ter 
legitimidade; não pode conter sequer um grão de verdade, de bem ou de razoabilidade. 
O perigo, portanto, não reside apenas na religião em si, mas na transformação de 
crenças particulares dos governantes — ou de corporações de poder — em dogma 
estatal. Uma metafísica convertida em programa político anula as regras comuns da 
moralidade, pois concede licença para agir com dureza em nome de um suposto bem 
maior. Ambição, medo e vaidade recebem assim uma “sanção divina”; crueldades 
passam a parecer dever; contradições tornam-se fidelidade.

O maior problema é que tal estrutura proíbe a dúvida saudável — e a dúvida é a 
alma da democracia. Sem ela, qualquer projeto político torna-se absoluto demais para 
ser corrigido, mesmo quando falha; perfeito demais para ser questionado, mesmo quando oprime; eterno demais para admitir que toda compreensão humana do presente é 
limitada e que o futuro permanece incerto. Nenhum governo ou mesmo poder é 
onisciente, além do que prescreve a Bíblia. Nenhuma política é definitiva. Toda 
proposta de poder deveria ser hipótese: plausível, discutível, revisável. Quando uma 
sociedade abandona esse princípio e transforma políticas em dogmas, líderes em 
profetas e adversários em hereges — semelhante ao que está sendo feito, na narrativa 
deles, com o “demônio Bolsonaro” — ela abre espaço para um poder que não precisa 
justificar-se, apenas punir. É nesse ponto que qualquer estrutura de poder — seja um 
movimento, um órgão, um partido ou mesmo um tribunal — corre o risco de deixar de 
ser uma instância democrática e tornar-se uma instância sacralizada.

O risco é duplo: de um lado, a política perde sua humanidade; de outro, a 
religião (ou a ideologia que a substitui) perde sua humildade. E, quando ambas se 
contaminam, o espaço público deixa de ser lugar de debate e passa a ser território de 
salvação ou condenação.

Erlan Tavares dos Santos é professor efetivo do Colégio Militar do Tocantins Custódia da Silva Pedreira.

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