Durante 21 anos o Brasil viveu sob um regime militar de governo que foi instalado por meio de um golpe de Estado. Em 1964, o presidente João Goulart foi deposto por um grupo de militares que até 1985 se manteve no poder por meio de uma ditadura civil-militar. Neste período diversos movimentos lutaram contra os militares. No antigo Norte Goiano, hoje Tocantins, o período conhecido como “anos de chumbo” foi pano de fundo de diversos conflitos e histórias que hoje são relembradas por personagens que viveram uma das mais tumultuadas passagens da história nacional.Um destes personagens é o Hamilton Pereira da Silva, conhecido como Pedro Tierra, hoje secretário de Cultura do Distrito Federal, que nasceu em Porto Nacional, então município de Goiás, em 1948. “O golpe alcançou o país quando eu tinha 16 anos. Em Goiás, inclusive, ocorreu um fato inusitado. O golpe militar tirou do poder um governador. O coronel Mauro Borges, eleito democraticamente”, afirma Silva. CenogEm 1969, Silva era presidente da Casa do Estudante do Norte Goiano (Cenog) também em Porto Nacional. “A Cenog foi fechada pelos militares e vários estudantes foram perseguidos pelo regime militar”, explica.“Eu consegui fugir e iniciei o que seriam três anos na clandestinidade. Nessa época participei do grupo Ação Libertadora Nacional (ALN), um grupo combatente”, conta. Fuga e PrisãoSilva viveu, nesses três anos de fuga dos militares, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Curitiba e Goiânia. Até que, no dia 10 de junho de 1972, foi preso. “Eu digo que fui sequestrado. Porque foi isso que aconteceu. Fui conduzido em um chão de automóvel, aos pés de dois militares, para a carceragem da Polícia Federal em Goiânia”, relembra.“Ali mesmo comecei a apanhar. É importante que se diga que a tortura não se deu nessa época, como alguns querem fazer crer, como algo utilizado de forma esporádica. Era uma política do regime para obter informações. Era um direcionamento fruto de orientação”, afirma. Depois foi transferido para um Batalhão do Exército na capital goiana. “Lá fui submetido a mais pancadaria e sofri toda a sorte de torturas”. PoesiaHamilton da Silva passou cinco anos em diferentes prisões. E foi justamente na prisão que Pedro Tierra, seu pseudônimo enquanto poeta, fez nascer poesia do cárcere. “A poesia foi para mim durante esse tempo preso o meio de sobrevivência e a resistência contra tudo que passei”, e complementa “foi o que me fez sobreviver como homem”.Outro aspecto destacado pelo poeta foi o sentimento coletivo. “A minha poesia é o testemunho da dor coletiva. Cada poema que está em meus livros é dedicado a um companheiro assassinado ou torturado pelo regime militar”.O livro Poemas do Povo da Noite, escrito de dentro da cadeia, foi publicado em 1978 na Espanha. “O livro teve de ser publicado primeiro fora do Brasil, por conta da repressão, claro, e só um ano depois veio a ser impresso aqui”, explica Hamilton. Também em 1978 a obra foi premiada com a Menção Honrosa da Casa das Américas em Cuba. MemóriaPara Silva, os 50 anos que marcam o início do período da ditadura devem ser encarados como um ponto de partida. “Eu, mais do que nunca, acho que esse momento é o momento pelo qual, os jovens do país, que não viveram esse período, busquem compreender o que o Brasil já sofreu. O período militar sufocou, estrangulou mais de duas décadas de história”.Para o poeta e ex-combatente, todo o sentimento aflora a memória quando descreve o que seria essa necessidade de reflexão. “Veja você. Tivemos as reedições da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Elas foram um fiasco, claro. Mas minha filha, Sofia, que tem 15 anos, ao assistir o noticiário sobre o assunto não pôde deixar de comentar que não fazia sentido nenhum se manifestar por um regime em que as manifestações eram proibidas”.-Imagem (Image_1.509605)