A implementação das escolas de tempo integral no Brasil tem sido amplamente defendida como uma solução para melhorar o desempenho dos alunos, reduzir a evasão escolar e oferecer mais oportunidades de aprendizado. No entanto, apesar das boas intenções por trás desse modelo, sua aplicação tem revelado falhas estruturais e pedagógicas que precisam ser debatidas.
Atualmente, o tempo integral vem sendo adotado de maneira quase padronizada, sem considerar as particularidades regionais, as necessidades dos alunos e as condições das escolas. Em muitos casos, ele acaba se tornando mais um modelo pensado para atender às demandas das famílias do que, de fato, para aprimorar a educação. Os pais enxergam a escola como um espaço seguro para deixar seus filhos durante o dia inteiro, enquanto trabalham. No entanto, essa permanência prolongada pode ser prejudicial para diversos estudantes, principalmente aqueles com dificuldades de aprendizagem ou que necessitam de acompanhamento específico.
Um dos maiores desafios desse modelo é o impacto negativo na formação pedagógica dos alunos. Para estudantes neurodivergentes, como aqueles com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), passar tantas horas dentro da sala de aula pode ser um fator de estresse e desmotivação. O ideal para esses alunos seria um sistema mais flexível, no qual frequentassem as disciplinas curriculares durante a manhã e, no contraturno, tivessem acesso a atividades extracurriculares e a um acompanhamento psicopedagógico especializado.
Além disso, o tempo integral, da maneira como vem sendo aplicado, dificulta a realização de aulas de reforço para alunos que apresentam dificuldades no aprendizado. Não se trata apenas de mais tempo na escola, mas sim de tempo bem aproveitado. Hoje, muitas escolas recebem estudantes que chegam a segunda etapa do ensino fundamental sem saber ler ou escrever corretamente. No Colégio Militar do Estado de Tocantins -- Unidade 1, onde sou diretor, recebemos recentemente 11 alunos que não foram alfabetizados. Antes, já enfrentávamos o desafio de trabalhar com analfabetos funcionais, estudantes que ao menos sabiam escrever o próprio nome. Agora, no entanto, há alunos que sequer conseguem fazer isso. Isso evidencia um problema ainda mais profundo: a necessidade urgente de um trabalho de qualidade na educação das séries iniciais, responsabilidade dos municípios. Se o ensino básico não for eficiente, toda a estrutura da educação será comprometida nos anos seguintes.
Outro ponto crítico é a falta de estrutura das escolas para funcionar em tempo integral. Muitas unidades foram projetadas para funcionar apenas em meio período e agora enfrentam problemas de infraestrutura, alimentação e climatização. No meu colégio, por exemplo, a climatização das salas é insuficiente devido às instalações elétricas antigas, e os aparelhos de ar-condicionado frequentemente desligam por sobrecarga. Em um estado quente como o Tocantins, isso torna o ambiente de aprendizagem extremamente desconfortável. Como exigir que um estudante mantenha a atenção e o rendimento em uma sala abafada, durante um período estendido?
A situação dos profissionais da educação também é preocupante. A ampliação da carga horária dos coordenadores de área em sala de aula prejudicou o acompanhamento pedagógico da escola. Antes, esses profissionais podiam se dedicar ao planejamento educacional, ao apoio aos professores e ao desenvolvimento de estratégias pedagógicas. Agora, com mais horas de aula obrigatórias, sua atuação estratégica foi enfraquecida, impactando diretamente a qualidade do ensino e gerando sobrecarga nos coordenadores pedagógicos e nos servidores da Equipe Multiprofissional.
Outro aspecto essencial que não pode ser ignorado é a falta de incentivos financeiros para os profissionais que atuam nesse modelo. A educação em tempo integral exige uma dedicação muito maior dos professores e demais servidores da escola. Muitos passam o dia inteiro na instituição, sem sequer retornar para casa para fazer suas refeições. Além do desgaste físico e mental, essa carga de trabalho intensa não é compensada com gratificações ou incentivos financeiros adequados. O governo federal precisa direcionar mais verbas para fomentar essas atividades dentro das escolas de tempo integral, garantindo melhores condições de trabalho e remuneração diferenciada para os profissionais que se dedicam integralmente à educação desses alunos. Sem esse investimento, o modelo de tempo integral se torna insustentável a longo prazo.
Além dos problemas estruturais e pedagógicos, há ainda uma questão que reflete a mentalidade equivocada sobre a educação: a falta de envolvimento de muitos pais na formação dos filhos. Recentemente, no Colégio Militar do Tocantins - Unidade 1, adotamos a prática de enviar notificações aos responsáveis, via WhatsApp, sempre que um aluno deixava de realizar suas atividades em sala. O objetivo era claro: manter os pais informados e incentivá-los a acompanhar a vida escolar de seus filhos. A reação de muitos foi, no mínimo, alarmante. Vários responsáveis reclamaram que estavam sendo "incomodados" e se sentiram "constrangidos" por receber essas mensagens.
Isso demonstra um problema ainda mais grave: a falta de compromisso de algumas famílias com a educação dos filhos. Como pode um pai ou mãe se sentir incomodado por ser informado de que o filho não está cumprindo suas obrigações escolares? Esse tipo de postura apenas reforça a tese de que, para muitos, a escola de tempo integral se tornou um "depósito de crianças", onde a responsabilidade pelo aprendizado recai inteiramente sobre os professores e servidores da educação. Mas educação não funciona assim. A escola tem um papel essencial, mas a formação educacional é uma responsabilidade compartilhada entre a escola e a família. Se um desses pilares falha, todo o sistema entra em colapso.
Diante desses desafios, proponho uma reformulação do modelo de tempo integral. Em vez de manter os alunos presos em um currículo rígido ao longo de todo o dia, as escolas deveriam adotar um formato mais dinâmico. As disciplinas curriculares poderiam ser concentradas no período da manhã, enquanto a parte da tarde seria dedicada a atividades extracurriculares como dança, teatro, práticas esportivas, xadrez, música, além de outras atividades que estimulem o desenvolvimento dos alunos. Além disso, o contraturno deveria ser utilizado para aulas de reforço e para um acompanhamento especializado dos alunos com dificuldades de aprendizagem. O Estado, por sua vez, precisa garantir a contratação de profissionais como psicopedagogos, que possam atender alunos com necessidades específicas, e professores focados na alfabetização de estudantes que ainda não dominam habilidades básicas.
O governo federal também deve repensar a destinação de verbas para essas escolas, assegurando um financiamento que permita não apenas a manutenção da infraestrutura e das atividades extracurriculares, mas também o pagamento de gratificações aos profissionais da educação. A valorização dos professores e servidores é um fator essencial para o sucesso do ensino integral, pois são esses profissionais que fazem o modelo funcionar na prática. Sem incentivos, o risco é que o tempo integral acabe sendo apenas uma carga horária excessiva, sem o retorno esperado na qualidade do aprendizado.
A escola de tempo integral pode ser uma ferramenta poderosa para transformar a educação, mas apenas se for implementada de forma inteligente e adaptada às reais necessidades dos alunos. Sem estrutura, sem planejamento pedagógico adequado, sem incentivos aos profissionais e sem o envolvimento das famílias, esse modelo pode acabar fazendo mais mal do que bem. Educação de qualidade não se faz apenas com carga horária ampliada, mas com estratégias eficazes e com o compromisso de todos os envolvidos.
Luciano Silva Gomes Milhomem é Major da Polícia Militar do Estado de Tocantins e atualmente, diretor do Colégio Militar do Estado de Tocantins -- Unidade 1. É bacharel em direito, especialista em ensino de comunicação e mestre em comunicação e sociedade pela Universidade Federal do Tocantins.
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